III. Casa-Museu

Ana Lúcia Cerávolo e Aline Sanches C. Corato

Debate inicial sobre a tipologia museológica e como ela se aplica à Casa de Vidro e as ideias do casal Bardi sobre cultura.
A “ideia de musealizar a vida de um indivíduo” é a definição de Márcio Doctors para a tipologia Casa-Museu. Museu da vida, portanto, a diversidade desse tipo de museu será tanta “quantos forem os tipos diferentes de vida que desejarmos conservar”.
Maria de Jesus, especialista em museus, define que “(…) o museu que não tenha um horário de abertura minimamente permanente ou definido não é um museu, é uma coleção. A fruição pública é um dos aspectos fundamentais de qualquer museu”. (Anais …, p. 52).
A Casa-Museu incorpora o espírito de uma época, uma forma de viver de seus proprietários, que permite aos visitantes reviverem o “espírito de uma época”, que talvez seja a ideia mais comum e popular da função social dos museus e que transforma essa tipologia num “sucesso” de público.
Não se consegue esse mesmo efeito em um museu da tradição iluminista, que isola os objetos do  seu  entorno,  de  sua  ambiência  e  que  o  transforma  em  objeto de estudo e de fruição isolada. O objeto contextualizado da casa museu, que busca preservar também o sentido da existência daqueles que ali viveram, permite uma relação mais direta porque filtrada pelo campo do afeto. (DOCTORS, p. 43)
A dimensão afetiva é uma singularidade da casa museu e um vínculo que estabelece com o público que não se pode deixar escapar, pois a “casa é o espaço do acolhimento, da proteção e o lugar a partir do qual as personalidades expressam sua relação com o mundo”.
Associando o tipo de casa e o estilo de vida de seus proprietários, Márcio Doctors passa a analisar casas de colecionadores, como a de Eva Klabin, onde trabalha, ou a casa de Castro Maya, ambas no Rio de Janeiro, ou ainda a Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, em São Paulo, ou o Museu Costa Pinto, em Salvador. Todas são casas que “buscam estabelecer relação com a história da arte”.
Ao conhecer a coleção e a casa, o visitante reconstitui a grande história que a proprietária reconstruiu através da coleção de obras de arte, mas também experimenta a micro-história por meio dos hábitos e comportamentos de uma personalidade da elite carioca, filha de emigrantes, durante meados do século XX.Ou seja, de certa maneira a casa incorpora o espírito de seu proprietário e é desafio do projeto museológico destacar a singularidade do espaço.
Conclui enfatizando que as casas-museu abrem a possibilidade de repensar a grande tradição histórica. Ou seja, (…) de forma mais focada no universo  individual. Abrem a possibilidade de se construir uma história das subjetividades, trazendo à tona camadas mais subterrâneas de sentido que a história mais objetiva e oficial dos fatos não nos permite ver. (DOCTORS, p. 50). São ainda espaços de resistência ao efêmero e ao homogêneo na era da virtualidade e da globalização.
Recomenda-se a continuidade desse debate e o convite a alguns especialistas no Seminário das Casas de Vidro ou em seminários internos
Explorar essa modalidade de organização do espaço, articulado à coleção e aos proprietários, permite transformar a Casa de Vidro numa casa museu referencial, delimitando um recorte da realidade, evitando as grandes generalizações e oferecendo uma visão mais íntima e subjetiva da história.
Essa perspectiva abre a possibilidade de uma relação mais direta e menos abstrata do público com a casa, permitindo um projeto mais ousado para o conjunto de bens sob a responsabilidade do Instituto Bardi. Assim é desejável que o Instituto Bardi valorize sua vocação cultural, à qual seus proprietários dedicaram as vidas.